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A consciência histórica do Cristianismo

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Milagres: Mateus e o caso das 'duplicações'...

Tantos quantos tiveram a oportunidade de ler as obras de Strauss, Renan e outros próceres do liberalismo teológico ou da crítica naturalista; devem lembrar-se duma acusação mais ou menos convincente a respeito do primeiro evangelista. S Mateus, ter duplicado os personagens de ao menos duas narrativas que envolvem milagres.

Seguem os textos:


a) Marcos 5:1-4 ... E, logo que Jesus saíra do barco, lhe veio ao encontro, dos sepulcros, um homem com espírito imundo, o qual tinha a sua morada nos sepulcros; e nem ainda com cadeias podia alguém prendê-lo;

Mateus 8:28-29 ... saíram-lhe ao encontro dois endemoninhados, vindos dos sepulcros; tão ferozes eram que ninguém podia passar por aquele caminho. ...


b)Marcos 10:46-47 .... E, ao sair ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, estava sentado junto do caminho um mendigo cego, Bartimeu filho de Timeu. Este, quando ouviu que era Jesus, o nazareno, começou a clamar, dizendo: Jesus, Filho de David, tem compaixão de mim!

Mateus 20:29-30 Saindo eles de Jericó, seguiu-o uma grande multidão; e eis que dois cegos, sentados junto do caminho, ouvindo que Jesus passava, clamaram, dizendo: Senhor, Filho de David, tem compaixão de nós.

    E no entanto existem duas soluções possíveis para o problema:  
  • A primeira é que Mateus de fato teria duplicado os cegos e os endemoninhados.
  • A segunda é que Marcos e Lucas teriam procurado fornecer uma narrativa tanto mais simples, suscinta e essencial. No caso levaram em consideração apenas o fato em si e não o número de contemplados.

De nossa parte optamos pela segunda hipótese ou solução: Marcos e Lucas, sem estarem preocupados com maiores detalhes, concentram-se no 'fato em si': apresentam uma pessoa contemplada pelo prodígio e omitem qualquer alusão ao outros possiveis contemplados, o que sem embargo, não negam. Aqui não há negação explicita, apenas omissão.

E no entanto a omissão ou a tendência a resumir, abreviar, encurtar, etc não implica defeito ou falsidade.

Aqui a praxe do Evangelho esta de pleno acordo com a praxe gentílica ou pagã assente nos registros históricos que mereceram o título de clássicos.

Destarte, caso apresentemos Mateus como duplicador e embusteiro deveremos estender semelhante acusação a inumeros autores clássicos e modernos:

Começemos por Sócrates: Segundo lemos na 'Apologia' composta por Platão; três foram seus acusadores e por assim dizermos 'algozes': Meleto, representante dos poetas, categoria de pessoas atacadas por Sócrates em diversas ocasiões; Anito, representante dos políticos e afortunados, igualmente vítimados pela crítica do Filósofo e Lícon, representante dos oradores, categoria dominada pelos sofistas, como já sabemos, seus mais ferozes adversários...

Acontece que a historiografia posterior, nem sempre menciona os três personagens como responsáveis pelo crime em questão - a morte de Sócrates - pois há quem mencione apenas Anito (por ter sido o 'mentor' do processo) e quem mencione apenas Anito e Meleto (excluindo Licon).

Os relatos clássicos mais antigos e completos a respeito do assassinato de Júlio César - como o de Lívio - deveriam mencionar explicitamente Cimber, Casca, Cassio, Brutus e outros tantos senadores envolvidos; afinal, Lívio, que era adversário declarado dos resumos e abreviações, dividiu sua "Ab urbe condita' em 142 volumes (!!!) Nós ainda possuimos cerca de 42 volumes ou seja 1/3 do original, os quais ocupam oito tomos bastante volumosos (!!!).

Eis porque Suetonius menciona apenas 'um dos Cassius ' e Brutus & Plutarco apenas Casca e Brutus e porque muitos dos que escreveram depois contentaram-se em citar apenas Brutus, sabendo que este desferira o golpe de misericórdia ou que Cesar desistira de lutar contra seus atacantes ao dar com as vistas nele...

Outro exemplo não menos elucidativo diz respeito as derradeiras palavras proferidas pelo ditador romano:

Pois enquanto alguns autores reproduzem: 'Até tu meu filho Brutus' outros registraram apenas: 'Meu filho'...

Contradição???

De modo algum.

Pois enquanto alguns autores optaram por apresentar a totalidade da frase, outros optaram por reduzi-la ao essencial, eliminando o que julgavam ser mero detalhe ou o que podia muito bem ser subentendido pelo leitor inteligente.

Então não faz sentido algum dizer que alguém duplicou, aumentou ou acrescentou qualquer coisa. Porque os autores antigos ignoravam supinamente os canônes do positivismo.

Destarte uns completavam o que havia sido suscintamente narrado a princípio enquanto outros resumiam ou abreviavam eliminando de suas versões o que julgavam ser desnecessário.

Como Marcos escreveu sua narrativa em Roma, para pessoas que viviam muito longe do local em que os fatos haviam ocorrido é natural que não se preocupasse com minudências numéricas, as quais muito provavelmente tinha em conta de supérfluas... Lucas escrevendo a Gregos e sírios deve ter partilhado o mesmo ponto de vista.

Mateus no entanto deveria ser exato até mesmo quanto as minudências pelo simples fato de dedicar sua narrativa aos judeus da Palestina; isto é as testemunhas oculares de tudo quanto havia acontecido. Ademais sabemos já o quanto o espírito farisaico, por ser tacanho, valorizava os detalhes e tudo quanto os Cristãos consideravam supérfluo; evidentemente que S Mateus, até onde era possível, procurou adaptar-se a mentalidade deles e ofecer uma relato tanto mais exato...

Então ele não duplicou o que Marcos registrou mas ofereceu uma narrativa completa e detalhada a respeito do que Marcos havia omitido, abreviado ou resumido. No frigir dos ovos Marcos e Lucas selecionaram e mencionaram apenas um prodigio, Mateus buscou esgotar o assunto citando todos os prodigios do mesmo gênero, no caso dois.



Outro evento similiar que tem produzido celeuma entre os incrédulos diz respeito a quantas vezes Jesus teria produzido tumulto no templo dos judeus.

Isto porque os sinóticos dão a entender que ele teria expulsado os cambistas logo após a entrada triunfal na cidade santa, quando estava já prestes a ser imiolado, enquanto S João descreve outro conflito, similar, e ocorrido no começo de sua carreira.

Teriam ocorrido duas ou mais 'purificações' ou uma das tradições em questão estaria cronologicamente fora do lugar???

Neste passo, ao que tudo indica, João leva a palma; enquanto os sinóticos situam o evento fora do contexto em que teria ocorrido.

É o que Papias, de Hierapólis, autor das 'Logion Kuriakon Ecsegeseis' da a entender quando registra:

"Marcos, amuense de Pedro, escreveu com fidelidade mas de MODO DESORDENADO..."

E explica: "Pois como ele mesmo não havia sido testemunha ocular, acompanhava a catequese de Pedro a qual não segui a ordem em que os fatos haviam se sucedido.".

Seguiu o Evangelho de Marcos o kerigma de Pedro e este as necessidades de seus ouvintes num tempo em que as bases de nosso Calendário eclesiástico estavam apenas esboçadas em torno da natividade e da crucificação.

Queremos dizer com isto que Pedro, em seus sermões e homilias não tinha a pretenssão de compor uma narrativa cronologicamente exata daquilo que havia presenciado mas satisfazer a demanda espiritual de suas ovelhas. Destarte o fatos vinham embaralhados...

Como o relato de Marcos serviu de base ao relato de Mateus e Lucas, estes reproduziram os mesmos erros... eis porque a narrativa da expulsão dos vendilhões encontrasse no fim dos sinóticos embora tenha ocorrido durante os primeiros anos do ministério de Nosso Salvador.

Acontece, replica o critico, que o mesmo Papias, na mesma fonte; assevera que S Mateus compos sua narrativa de MANEIRA ORDENADA. E ENTÃO???

É verdade que Papias declara ter S Mateus composto de maneira ordenada. No entanto ele não se refere a totalidade da versão grega de S Mateus tal e qual a conhecemos atualmente; como salta de suas mesmas palavras: "EM ARAMAICO, AS PALAVRAS DO SENHOR."

Nós porém ignoramos o conteúdo exato e mesmo a ordem adotada pela versão aramaica de Mt. Outros supõe com certa lógica que por 'palavras' devemos entender apenas os discursos/parabolas do divino Mestre, a exemplo da 'Logia de Tomé' recuperada em Nag Hamaddi; a qual outra mão teria adicionado a parte narrativa com base em S Marcos.

Neste caso as parabolas e discursos do primeiro Evangelho estariam em ordem, enquanto a narrativa, fundamentada em Marcos, seria igualmente desordenada, como a de Lc e a dos sinóticos como um todo... Eis porque João teria restabelecido a ordem das coisas compondo um relato cronologicamente real ou ao menos satisfatório.

De fato quase não há discrepância quanto a parte narrativa, o que confirma nossa tése de que mão posterior tomou-a de Marcos e envolveu os discursos do Senhor vertidos para o grego.

A pergunta é?

Foi a ordem das palavras do Senhor, registradas no original aramaico e perdido de S Mateus e dada como exata por Papias conservada???

É exatamente aqui que Mt e Mc separam-se: pois enquanto Mt situa o sermão do monte antes das parabolas, Mc inclui um trecho deste sermão na narrativa das parabolas; enquanto Mt a discussão com os escribas a respeito do puro e do impuro antes do sermão apostólico Mc faz o sermão preceder a dita discussão...

A narrativa de Lc parece ser igualmente desordenada..

Devemos pois concluir e saber que a querela do Senhor com os cambistas do Templo ocorreu durante os primeiros anos e não no fim de seu ministério.

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