O verbo se fez carne...

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A mãe do Verbo Encarnado

A mãe do Verbo Encarnado

A consciência histórica do Cristianismo

A consciência histórica do Cristianismo

sábado, 12 de janeiro de 2019

CXXVI - Padres ante nicenos: S Cipriano de Cartago

CXXV - Padres ante nicenos: S Orígenes de Alexandria

CXXIV - Padres ante nicenos: S Hipólito de Roma

CXXIII - Padres ante nicenos: Tertuliano de Cartago

CXXII - Padres ante nicenos: S Clemente de Alexandria

CXXI - Padres ante nicenos: S Irineu de Lion

CXX - Padres ante nicenos: S Justino de Roma

CXIX - Literatura herética

CXVIII - Literatura apócrifa

CXVII - O 'Autólico' de Teófilo de Antioquia

CXVI - Atenágoras e os apologistas perdidos

CXV - Taciano, o assírio e S Melito de Sardes

CXIV - Aristides e Quadrato

CXIII - Os padres apologetas

CXII - O Pastor de Hermas e o fragmento muratoriano

Foi este pastor de Hermas citado como Escritura Santa por S Clemente de Alexandria, S Irineu, Tertuliano - De Oratione XVI - antes de aderir ao montanismo - e por Orígenes - in Comm a Mat 14,21 - o qual julgava ter sido ele escrito pelo Hermas de Romanos 16,14. Chegou ainda a fazer parte de certos códices bíblicos, como o Sinaítico, e, segundo Eusébio a ser lido publicamente em algumas igrejas tendo em vista a instrução elementar, além de ter sido citado por certo número de autores antigos. H Ecles III,3,6. S Atanásio - que o cita amiúde, diz que mesmo não pertencendo a Escritura Canônica, foi o Pastor, posto pelos Padres para ser lido pelos neófitos e catecúmenos.

Orígenes no entanto reconhece que muitos não o admitiam como inspirado - Livro dos princípios 4,2,8 - e o Fragmento muratoriano explica porque. Segundo esta lista de livros canônicos, era O Pastor uma obra recente - o Muratoriano foi escrito entre 160/170 - escrita em Roma, por Hermas, irmão do Papa Pio I, que comandou a Igreja romana do ano 140 ao ano 155. Alguns sugerem que teria sido começado a ser escrito nos últimos anos do século I - 99/100 - e terminado pelos idos de 145... Seja como for é evidente que não pertence ao período apostólico. Por isto embora chegasse a ter feito relativo sucesso no Ocidente, Jerônimo, pelos idos do século IV - Viris Illustribus X - declara que, no Ocidente, era lido por muito poucos, mas publicamente lido nas Igrejas da Grécia. Gelásio de Roma porém, meteu-o entre os apócrifos

Sabe este livro a um apocalipse, como o de Esdras. Revindicando, o autor, ter sido visitado por um anjo sob a forma de pastor após ter visto a Igreja sob diversas formas. É estruturado em três partes - Visões, parábolas e mandamentos. O tempo das composição, a divisão em partes, a forma literária, as crenças, etc tudo sugere que este livro tenha sido redigido por três ou mais escritores.


A linguagem é simples, vívida e repleta de detalhes sociais. Não deixa de conter em si uma espécie de biografia bastante realista tecida em torno dos atos de um homem simples, ex escravo, negociante mal sucedido, pequeno agricultor, casado, pai de família, com sérios complexos de culpa... Neste sentido é um recorte da vida e por si valioso. O tema principal é a sorte dos que pecaram após o Batismo e assim a Penitência, sacramento que os montanistas tinham em contra de blasfemo e que outros - sicut Clemente de Alexandria; Strom - abusam já... O autor posiciona-se ortodoxamente quando a isto e portanto a favor de uma oportunidade para os que, sendo já Cristãos, tornaram a pecar, isto desde que rompessem sinceramente com o pecado e não tornassem a cair.

Tem a Cristologia do autor ou dos autores dado origem a intenso debate entre os estudiosos. Os ortodoxos em especial ter se esforçado por justificar o autor, cuja Cristologia é adocionista e a Teologia, ao que parece diteísta. O que de fato nos faz pensar num autor judeu Cristã que tenha completado a obra de Hermas, irmão de Pio. Salvo tendo em vista um entendimento ultra rigorosa da disciplina do Arcano é no mínimo curioso que Hermas jamais faça uso do nome 'Jesus Cristo' ou da expressão Logos, mas apenas dos termos 'Salvador', 'Filho de Deus' e 'Senhor'.

De fato apos declarar que o Espírito Santo é o Filho de Deus, insiste: "Deus, o Pai, fez habitar na carne que ele escolhera, o Espírito Santo e eterno que tudo criou. Esta carne na qual o Espírito habitou, serviu ao Espírito, andando sempre no caminho da santidade e da retidão sem jamais contristar o Espírito. Ela se portou virtuosamente, participou dos trabalhos do Espírito e colaborou em tudo com ele. Comportou-se docilmente para o bem e por isso Deus a escolheu para companheira do Espírito... Para que essa mesma carne, que ao espírito havia servido irrepreensivelmente, obtivesse um lugar de repouso, e não perdesse a recompensa que merecido tinha por seus serviços. Toda carne em que o Espírito habitou e que for encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa." Parab V, 59,5

Ao que parece este autor faltava a ideia clara de hipostase. Portanto imagina ele que o Filho, tomou posse de um ser humano, usando-o como instrumento seu. Este elemento humano a seu tempo, sendo completo e livre, salientou-se pela docilidade com que colaborou com o Espírito, merecendo ser ressuscitado e glorificado a guiza de recompensa por sua fidelidade. A partir dele os demais batizados também se convertem em templos ou tabernáculos do Filho/Espírito e os que se portarem docilmente, abstendo-se de pecar, tornam-se dignos do mesmo prêmio, do qual o Salvador ressurreto é primícias. Enfim o que temos aqui é uma Cristologia arcaica, não necessariamente uma heresia, exceto pelo diteísmo ou pela identificação do Espírito Santo com o Filho, alias, peculiar a certos membros da primitiva Igreja Romana.

Feita esta ressalva necessária, passamos a resenha doutrinal do escrito:

CXI - A carta de Barnabé e a Segunda 'clementina'

A - A carta de Barnabé

Eis outro documento que por muito pouco não acabou sendo incluído no Cânon do N Testamento. Afinal ela não foi apenas citada, diversas vezes, por S Clemente de Alexandria, nas Stromatas, mas objeto de comentário a parte em suas Hypotyposeis. Orígenes, já no século seguinte - em sua polêmica contra o falecido Celso - chama-a de 'Epístola Católica'. Ainda nos séculos IV, V e VI, foi incluída nos Códex Sinaítico, Alexandrino e Claromontanus. Por este mesmo tempo Eusébio situa-a entre os escritos disputados. Jerônimo por fim declara-a apócrifa, embora, paradoxalmente, chegue não apenas a cita-la como a atribui-la a Barnabé. Entre os latinos permaneceu como apêndice nos manuscritos do NT, após a epístola de S Tiago até a época dos Carolíngios. Já no Oriente, segundo temos em Nicéforo de Jerusalém, permaneceu como objeto de disputa - como os apocalipses de João e Pedro e o Evangelho dos Hebreus - até o começo do século IX. A partir do ano 1000 já havia sido descartada por todas as comunhões históricas do Cristianismo, isto a ponto de parte do texto original - a partir do cap XVIII - ter ficado perdido por um bom tempo.

Curiosamente este escrito, nem é de Barnabé, mas um tratado teológico anônimo. Afinal, como explica Quasten, durante algum tempo "Os escritores cristãos primitivos consideraram o gênero epistolar como sendo o único válido para comunicar instruções piedosas." in Patrologia I pg 94
A simples menção da reconstrução do Templo dos judeus por Adriano em 130 desta Era obriga-nos a situar sua composição cerca de 135/140. Temos além disso uma referência ao Apoc de Baruc, o que impossibilita de todo qualquer tentativa no sentido de situa-la antes do ano 100. Ora companheiro algum de Paulo poderia ter chegado ao ano 100 quanto mais ao ano 140 desta Era. Temos aqui mais uma obra pseudo epigráfica como III Coríntios, Laodicenses, Judas, etc

Quanto ao local de composição é algo a respeito de que ainda se discute, embora possamos atribui-la, com razoável segurança a tradição alexandrina e vincula-la tanto com a epístola canônica de Apolo aos Hebreus - cujo sentido desenvolve mais - e mesmo com Fílon. Há além disto marcada influência dos escritos essênios encontrados no Qumran e da Didaké - assim a sessão dos dois caminhos - o que fez com que alguns pesquisadores situassem sua composição na Síria Palestina, onde no entanto jamais fora citada. Não vou especular a respeito, apenas dizer que aquele tempo as ideias circulavam com certa rapidez entre Síria e Egito.

Na esteira da Epístola dos Hebreus e de Fílon temos aqui uma releitura alegórica do antigo testamento destinada a satisfazer a consciência Cristã, o quer certamente não deve servir como pretexto para impugnar uma possível origem judaica por parte do autor. Fílon e Apolo eram, um e outro, judeus e alegoristas. Como é sabido a ideia de uma circuncisão superior ou do coração remonta no mínimo ao profeta Jeremias. Não foi algo inventado por Jesus ou pelos Cristãos, mas algo que brotou da consciência pŕofética.


Resta-nos declarar que ela consta de vinte e um capítulos e passar a resenha doutrinal.

Divindade de Cristo - "Se o Senhor aceitou sofrer por nós, embora fosse O SENHOR DO MUNDO INTEIRO, ao qual disse Deus no ato da criação 'Façamos o homem a nossa imagem e semelhança' ... os profetas que tinham a GRAÇA DELE, profetizaram a seu respeito, e ele a fim de destruir a morte e manifestar a ressurreição teve de SE ENCARNAR E PADECER... Assim manifestou ele que era filho de Deus, com efeito, caso não se tivesse encarnado, como poderiam suportar os homens o brilho da sua glória, eles que não podem encarar os raios deste nosso sol que um dia cessará de existir, POR SER ELE MESMO OBRA DE SUAS MÃOS?... Por isso disse Deus, que deles PROCEDE A FERIDA EM SUA CARNE - Quando o pastor for ferido as ovelhas serão dispersas!" V,5;10 e 12
Profecia de Jesus sobre a destruição do templo - "Ele tinha revelado que aquela cidade, o templo e toda casa de Israel seriam derrotados... e sucedeu conforme ele tinha dito." X,05
Ofício apostólico - "A eles foi conferida a autoridade para anunciar o Evangelho, são DOZE para testemunhar as tribos, pois as tribos de Israel são DOZE." VIII,03
Conhecimento não é interpretação: "Meditai em vosso coração o SENTIDO EXATO da palavra que recebestes." X,11

Unidade ou concórdia - "Não vos isoleis, concentrando-vos em vós mesmos... mas associai-vos e laborai juntos pelo bem comum." IV,10
Liberdade/semi pelagianismo - "Por isso exulto na esperança de salvar-me." I,03

Necessidade das obras ao menos como fruto após a justificação - "É bom assim aprender as sentenças do Senhor que estão escritas e com ela conformar o procedimento , pois aquele que as põem em prática será glorificado no Reino de Deus, mas o que tomar o outro caminho com suas obras haverá de perecer." XXI,01
Condenação do Solifideismo ou da salvação pela fé somente - "Assim tomai cuidado e não imiteis certas pessoas que acumulam pecados declarando que a aliança esta garantida para elas..." IV.06 "Cada qual receberá segundo o que praticou. Caso seja bom, sua justiça o precederá, caso seja mal, diante dele irá o salário da maldade. Tomemos cuidado para não ficarmos tranquilos como chamados, adormecidos em nossos pecados, de modo que a maldade se apodere de nós e nos aparte do Senhor." IV,12 "Odiemos por completo as obras do mal caminho." IV,10 "Jamais abandones os mandamentos do Senhor." XIX,02 "Odeia totalmente o mal." XIX,11
Penitência - "Trabalha com tuas mãos para resgatar teus pecados." XIX,10

Sacramento do Batismo - "A casa de Israel não recebeu o Batismo que confere a remissão dos pecados." XI,01 "A água descemos cheios de poluição, e dela subimos para dar frutos, por ter o coração ocupado pelo Espírito e pela esperança em Jesus." XI,11 "Depois de nos ter renovado com o perdão dos pecados, fez de nós um novo ser, de modo a que tenhamos uma alma inocente, como se nos tivesse novamente criado." VI,11
Filiação divina: "Dele recebestes a semente plantada em vós mesmos." I,02
A Cruz vivificante - "É a respeito da cruz que ele fala por meio de um profeta: Quando serão cumpridas estas coisas? Quando um madeiro for estendido no chão e depois levantado e o sangue gotejar do madeiro. É o que ele diz sobre a cruz e sobre o que seria pregado nela." XII,01
Adoração dominical - "Farei do início, do oitavo dia, o começo do outro mundo. Eis porque comemoramos com solenidade o oitavo dia da semana, aquele no qual Jesus ressuscitou dos mortos e depois de se ter manifestado subiu aos céus!" XV,08

Juízo final - "O Filho de Deus que é Senhor julgará os vivos e os mortos." VII,2
Ética - "Não planejes o mal contra o teu próximo." XIX,03
"Ama teu próximo mais do que a ti mesmo." XIX,5

"Compartilha tudo com o teu próximo." XIX,8
"Não existes em dar esmola e jamais a dês murmurando!" XIX,11
"Não sejas avarento." XIX,06
"Não exerças a vingança!" XIX,04
"Julga sempre de modo justo." XIX,12
"Sê manso, sereno e auto controlado, segundo a instrução." XIX,04
"Não faças acepção de pessoas." XIX,04
"Não provoques a divisão, mas reconcilia aqueles que conflitaram entre si." XIX,12

"Não mates a criança no seio da mãe ou logo que tiver nascido." XIX,05
"Não sejas dúplice quanto o pensar e o falar." XIX,07
"Não cobices os bens do teu semelhante." XIX,06
"Não fique repetindo o nome sem propósito." XIX,05"Os que perseguem os bons, odeiam a verdade, amam a mentira, ignoram a justiça... desprezam o órfão, o estrangeiro e a viúva... apartam-se da mansidão, afastam-se da paciência... não tem compaixão do pobre, recusam ajuda ao oprimido. difamam e caluniam... mostram-se insensíveis face a dor alheia, defendem os ricos... são todos pecadores consumados!" XX,02


Até aqui a carta de Barnabé, ano 140.
B - Segunda epístola de S Clemente

A respeito desta obra, chamada indevidamente, segunda carta de Clemente, Eusébio é categórico: Jamais foi conhecida ou empregada pelos antigos, assim Jerônimo de Stridon em V Illustribus XV. Sugeriram alguns que fosse a carta do Papa Sotero de Roma aos coríntios mencionada por Dionísio (Harnack).

Com efeito não é ela uma carta, mas uma homília, a mais antiga homilia Cristã que possuímos. O próprio texto refere a precedente leitura de textos sagrados que agora haviam de ser explicados e XVII,03 evidencia-o muito claramente.

É o autor anonimo mas se supõem, devido a alusão a jogos e competições, que tenha sido anunciada por ocasião dos jogos istmicos. O que nos leva a concluir por Corinto como seu lugar de origem. Muito provavelmente foi este sermão arquivado junto com a carta de S Clemente e juntamente com ela transcrito, dando origem a confusão.

Mas quando teria sido elaborado?

Os grandes jogos istmicos nos situariam entre 130 e 140, o que por sinal está de acordo com o emprego de diversos Evangelhos apócrifos como o dos Egípcios e o de Tomé, posto que reflete uma situação anterior a controvérsia canônica suscitada por Marcion a partir de 150. O que nos levaria a Sóstenes, quarto Bispo de Corinto e provavelmente ouvinte dos ouvintes dos Apóstolos ou mesmo dos próprios discípulos do Senhor. O que confere a este Sermão imensa autoridade. Posto que os presbíteros e diáconos sempre pregaram em nome de seu Bispo. Enfim o que temos é um testemunho bastante claro a respeito da crença de uma Igreja legitimamente apostólica oito décadas após sua fundação. É um Isnad excelente.

Passemos assim a resenha doutrinal deste importante documento -

A divindade de Cristo - "Irmãos, devemos pensar Jesus Cristo como Deus e juiz dos vivos e dos mortos." Cap I
Encarnação - "Se Cristo, o Senhor que nos salvou, sendo primeiro Espírito se fez carne..." Cap IX
Igreja espiritual ou corpo místico - "Somente se fizermos a vontade de Deus nosso Pai pertenceremos a primeira Igreja, que é espiritual e existe antes do Sol e da Lua." Cap XIV

Obras - "Quando o confessamos? Quando fazemos o que ele diz, não desobedecemos seus mandamentos, e não o honramos apenas com os lábios, mas com o coração e o entendimento."  Cap III "Devemos confesa-lo com nossas obras, amando-nos mutuamente." Id, id
Esmola - "O Jejum é superior a prece, mas a esmola superior a ambos!" Cap XVI
Impecabilidade - "Como entraremos no Reino caso não mantivermos nosso Batismo puro e sem mancha?" Cap VI "Mantenhais a carne pura e o selo (Batismo) sem mácula e recebereis a vida eterna."
Cap VIII

Cooperar com a graça - "Combatamos assim irmãos meus com coragem!" Cap VIII
Penitência - "Enquanto estamos neste mundo, arrependamo-nos de todo coração das coisas mas que na carne fizemos, assim poderemos ser salvos pelo Senhor que no concede a oportunidade para o arrependimento." Cap VIII
Imortalidade - "Esperam-nos tempos de bem aventurança, irá para os céus encontrar os seus e depois será feliz por toda eternidade." Cap XIX
Juízo e ressurreição da carne - "Ninguém vos diga que a carne não será julgada ou que novamente não se levantará...  do mesmo modo como na carne chamados fostes na carne sereis julgados." Cap IX

 Até aqui a segunda clementina.