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A consciência histórica do Cristianismo

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Examinado a natividade.

Insinuam ou afirmam alguns que há contradição 'liquida e certa' entre os dois relatos de Natividade existentes em Mateus e Lucas.

Na verdade o que temos pura e simplesmente é uma narrativa tanto mais abreviada ou suscinta, elaborada por S Mateus e uma bem mais larga elaborada por S Lucas a partir de suas pesquisas.

Supor contradição entre as narrativas só porque uma é mais curta e a outra mais longa e detalhada beira a sandice. Desde quando é vedado a um autor completar um autor mais antigo fornecendo mais detalhes a respeito de um determinado evento???

Passemos sem mais delongas aos textos:

Onde nasceu o Salvador??? Em Belém declara S Lucas... Em Belém declara S Mateus???

Onde esta pois a contradição???

Inventou Lucas a 'estória' da ida em Belem???

Não. Lucas limitou-se a narra-la tanto mais circunstancialmente...

Nega Mateus que a anunciação tenha ocorrido em Nazaré???

Apenas omite para chegar mais rapidamente ao ponto que deseja: o nascimento em Belém...

Lucas adverte que a anunciação havia ocorrido em Nazaré e especifica o pôrque do casal ter se dirigido a Belém.

Segundo declara foi por ocasião de um ressenceamento determinado por Cesar Augusto.

Que os Imperadores romanos e os proconsules tivessem o costume de ressencear seus súditos tendo em vista a tributação dos mesmos nada tem de insólito. Organizados como eram os antigos romanos, estranho seria que não tivessem pensado em faze-lo.

Felizmente temos notícia de diversos fatos analogos... quer nos historiadores do período, com Dionisio de Halicarnasso (IV, 15) ou mesmo em fragmentos de papiro encontrados no Egito e cujo titulo reza "ressenceamento de famílias"

Aqui ocorre ao crítico maldizente, alegar que em tais ressenceamentos não obrigavam os súditos a deslocarem-se para seus locais de origem da família.

Que noutros lugares e regiões as pessoas não fossem convidadas a irem até a cidade ancestral, é fato.

Que tal medida fosse impossível de ser tomada ou aplicada na Judéia não.

Muito pelo contrário um conhecimento elementar a respeito da sociedade judaica daqueles tempos justifica plenamente a 'inusitada' regra...

Sabido é de todos que os israelitas estavam divididos em tribos, casas e famílias e que entre tais clãs o matrimônio era endogâmico. Eis porque desde os tempos mais remotos eles conservavam ciosamente seus registros de família ou árvores genealógicas, as quais funcionavam como espécies de cartórios, facilitando o trabalho dos ressenceadores romanos. Muito provavelmente o cidadão judeu limitava-se a ir ao lugar em que estavam seus 'registro' para mostrar que estava vivo...

É possível inclusive que muitos não fossem e que preferissem passar por mortos a contribuir com o fisco.

José no entanto era 'justo' e por isso foi...

Mais adiante, quando tratar-mos de passagem a respeito da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, tentaremos identificar o recensseamento apontado por S Lucas e a data aproximada do nascimento do Salvador.

De acordo com S Mateus em Belem sucedem-se os seguintes eventos:

  • Jesus nasce.
  • É presenteado pelos magos do oriente (omitida por Lucas)
  • Jesus é conduzido por seu 'pai' a terra do Egito após o massacre dos inocentes.
Segundo S Lucas os eventos em questão seriam estes:

  • O nascimento de Jesus
  • A adoração por parte dos pastores (omitida por Mateus)
  • A circuncisão
  • A apresentação do Senhor no templo (omitida por S Mateus)
É justamente aqui que os críticos vem a público com ar de triunfo.

Porque nem Lucas menciona os reis de Mateus nem Mateus menciona os pastores de Lucas. Conclusão: as figuras dos reis e dos pastores teriam sido 'inventadas' pelos Evangelistas...

E no entanto estamos diante do velho e capicioso argumento do silêncio e exigindo de cada hagiografo uma biografia completa...

No entanto o caso é bem outro...

Pois nem Mateus declara que Jesus não havia recebido as homenagens dos pastores nem Lucas sustenta não ter o Senhor recebido a adoração por parte dos reis.

Demasiado fácil para nós é explicar ambas as omissões:

Mateus escreveu para os hebreus valorizando seus costumes e o testemunho profético.

Ora para os judeus letrados o testemunho de pastores de ovelha ou rústicos não signifcaria grande coisa. Pois se tratava duma classe de gente desprezada pelos citadinos da capital... É possível que Mateus até aproveitasse o evento caso correspondesse a algum testemunho profético, tal porém não era o caso.

Outro porém é o escopo do Evangelho de Lucas, grego entre gregos e naturalmente inclinado a apontar Nosso Senhor como Redentor dos pobres e humildes. Talvez por isto mesmo ele tenha omitido o ato de vassalagem tributado ao Senhor pelos homens do oriente, ou pelo simples fato de encontra-lo e te-lo lido no registro de Mateus, do qual muito provavelmente fez uso.

Cada um selecionou os fatos segundo o público que tinha em vista persuadir.

Outra questão, que para muitos parece ser assaz espinhosa é a menção feita por Lucas da circuncisão do Senhor e de sua apresentação do templo logo após seu nascimento e destarte 'posterior' a visita dos magos e a fuga para o Egito, narradas por S Mateus. Pois como o menino teria sido trazido do Egito para ser circuncidado e apresentado no Templo se S Mateus declara explicitamente que só retornou do Egito após a Morte de Herodes com mais de um ano???

Aqui a confusão ou o erro são devidos a uma leitura apressada de S Mateus; leitura segundo a qual todos os eventos citados naquela passagem teriam ocorrido no dia mesmo em que Cristo nasceu.

As próprias tradições natalinas parecem impor semelhante confusão dando por certo que os magos vizitaram e presentearam  Nosso Senhor a 25/12 ou a 06/01...

Do texto de S Lucas depreende-se que quando o menino completou um mês aproximadamente, subiu a Jerusalem por ocasião da purificação de sua Santa Mãe (Lev 12,2).

Somos portanto levados a situar a purificação e portanto a visita dos magos e a fuga para o Egito após o tempo em que o Salvador completou um mês de Idade e não no dia mesmo de seu nascimento ou alguns dias depois.

Vejamos agora se o texto de S Mateus concede espaço para tanto.

"Tendo nascido Jesus em Belém da Judéia sob Heródes, chegaram uns magos do Oriente a cidade Santa." 2,1 Eis o que declara o primeiro evangelista.

E apenas num golpe de vista percebemos que neste passo o hagiografo não faz qualquer definição de tempo. Quem conclui que todas as coisas sucederam-se num só dia, conclui por si mesmo e assim erradamente, por não levar em consideração o contexto.

Pouco mais abaixo os magos referem-se ao Salvador como recém nascido. A ascepção no entanto continua vaga pois nós mesmos costumamos aplica-la tanto a uma criança de alguns dias quanto a uma criança de alguns meses...

Mais além esta registrado que eles encontraram o menino com a mãe, mas não em seu colo ou num bercinho; talvez o menino já estivesse engatinhando ou mesmo dando os primeiros passos...

Eis porque Herodes mandou matar todos os meninos menores de dois anos.

O que nos dá a entender que quando o Salvador foi vizirado pelos magos contava já com mais de um dia ou de um mês. Talvez tivesse completado já seis meses ou mesmo um ano. Daí Herodes por uma questão de segurança ter mandado matar todos os meninos com menos de dois anos; ele teria duplicado a idade aproximada do Senhor para eliminar qualquer risco de 'falha' na execução de seus planos...

Destarte o menino teria sido circuncidado em Belém e a Virgem subido a cidade Santa antes da chegada dos magos e da fuga para o Egito.

Isto não é apenas perfeitamente possivel é necessário, pois em sua purificação a Virgem Bendita oferece apenas duas rolas ou dois pombinhos, o sacrifício dos pobres. Caso eles tivessem acabado de receber ouro, incenso e mirra, teriam de oferecer um cordeirinho.

Lamentavelmente a tradição popular uniu os dois eventos num só, o que foi reproduzido pela mídia sem consciência... aumentando ainda mais o 'imbroglio'

Resta-nos esclarecer porque a sagrada família teria permanecido tanto tempo em Belém.

Provavelmente para não expor a Santa Virgem aos transtornos duma viagem demasiado longa. Pois Jerusalem fica próximo a Belém enquanto Nazaré fica nos confins da Galiléia, isto é, bem mais longe; sendo a viagem bem mais dificil e demorada. É perfeitamente possível que tendo em vista a distância S José desejasse poupar a SSma Virgem.

Quanto ao depois de "executar ou cumprir a lei do Senhor" regressaram a Nazaré (Lc 2,39) nada nos obriga a conectar tais palavras ao verso precedente (2,38). Destarte tais palavras não excluem a possibilidade de uma alusão implicita a vinda do Egito, onde a sagrada família teria permanecido sempre fiel a lei dos judeus ou a lei do Senhor cumprido todas as suas normas e preceitos.

Portanto Lucas omite, sem repudiar, a fuga do Senhor para a terra do Egito, registrando que ele tornou a Nazaré, passando a ser conhecido como Nazareno.

Resta-nos esclarecer o pôrque de sua omissão.

Mateus, que escreve para judeus, faz questão de registrar a fuga para o Egito tendo em vista traçar uma espécie de paralelo entre Moisés e Jesus, apresentando o Senhor como um outro Moisés...

Lucas, que é grego de origem Síria escrevendo na capital da Síria, Antióquia, omite a fuga para o Egito por uma questão perfeitamente compreenssivel; diante desta narrativa qualquer sírio teria suas suceptibilidades feridas e questionaria o pôrque de Jesus não ter se refugiado em sua terra; a qual, por sinal, tinha muito mais em comum com a judéia do que o Egito... O próprio Elias não havia honrado as terras do Líbano com sua presença? Porque então Jesus não quizera proceder da mesma forma???

É sempre bom lembrar que os egipcios e sírios sempre cultivaram certa emulação durante o período helenístico e que chegaram mesmo a conflitar sob Antioco epifanes... daí a sobrevivência de certos rancores patrióticos...

Daí Lucas, escrevendo na Síria, por uma questão de prudência omitir ou excluir o Egito de sua narrativa.

Outros raciocinam de modo diverso do nosso supondo que a narrativa de Lucas é de fato continua (2,38 > 2,39) e que a santa família após ter seguido para Nazaré, regressou novamente a Belém por ocasião em que foi vizitada pelos magos e fugido para o Egito. Que S José tivesse uma pequena herdade junto ao clã ancestral de Bélem é perfeitamente possível, uma vez que o Evangelista, referindo-se ao local em que o Salvador nasceu registra 'Katalyma' ou seja cômodo e não pandocheion, ou estalagem. Aqui mais uma vez a escritura se choca com as tradições populares. Já em Mt 2,11 a Virgem e o menino ocupam uma 'oikia' ou seja uma casa... Daí terem feito uma segundo vizita a vila quando o Salvador tinha cerca de seis meses ou mesmo um ano...

O fato desta seguda visita não ser mencionada de modo algum torna-a impossível.

Em tais situações só se poderia falar honestamente em contradição se algum dos hagiógrafos tivesse negado explicitamente o que um afirmou e vice versa, o que até onde me é dado saber jamais ocorreu; outra possibilidade é que algum deles tenha tido a pretenssão de elaborar uma narrativa completa. O próprio S João no entanto declara que Jesus realizou tantas coisas que ter a pretenssão de compor uma narrativa completa seria loucura... donde só nos resta admitir que deacordo com a praxe comum a toda antiguidade, selecionaram e priorizaram fatos deacordo com as características dos ouvintes que pretendiam atingir.

Que haja contradições entre a percepção comum ou popular destes Evangelhos e sobre os fatos em questão somos constrangidos a admitir e a deplorar. Que haja contradição entre entre os dois relatos evangélicos, é o que carece ser cabalmente demonstrado sem o emprego de recursos anacrônicos pautados numa visão positivista e contemporânea de biografia.

Os apóstolos jamais intentaram traçar ou fornecer uma biografia científica do Cristo nos moldes positivistas do décimo nono séculos. Portanto avalia-los ou julga-los tomando por referência este padrão é pura e simplesmente ridículo.

Por fim os adversários costumam questionar a existência de uma cidade chamada Nazaré, existente no tempo do nascimento de Jesus. Alegando que ela jamais fora mencionada no Antigo testamento, em Josefo ou no Talmud...

Aqui mais uma vez o estucioso argumento do silência, o qual juridicamente nada prova...

Aos que negam peremptoriamente a existência de Nazaré aconselhamos que se dirijam a Palestina para contar e calcular o imenso número de Tells ou de cômoros existentes, cada qual assinalando o local em que se encontrava uma vila ou cidade atualmente destruida... certamente que nem mesmo a metade deles foi expressamente citada pelos registros escritos!!! E disto não podemos inferir que jamais tenham existido...

Do mesmo modo e maneira porque vilas ou cidades inteiras desapareceram sem deixar seus nomes escritos no Velho Testamento ou no Talmud (os quais não correspondem aos modernos elencos ou catalogos do IBGE) Nazaré poderia muito bem ter existido em tempos antigos sem que seu nome fosse explicitamente citado por qualquer registro escrito. Um simples golpe de vista sobre as ruinas até hoje inexploradas bastaria para corroborar nossa argumentação e para ressaltar a puerilidade daqueles que insistem em aplicar o capicioso argumento da omissão ou do silêncio a matéria em questão.




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