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A consciência histórica do Cristianismo

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sexta-feira, 5 de abril de 2013

C - A sorte de João Zebedeu

A respeito de João Zebedeu, o 'discípulo amado' existem inúmeras tradições e relatos contraditórios.




Porquanto o emprego deste nome era muto comum entre os judeus do tempo do Senhor.

Assim temos João Batista, João apóstolo e João, o presbítero.

Cujas vidas acabaram sendo associadas e confundidas pelos antigos. Até formarem um labirinto impenetrável...

Segundo a hipótese mais aceita e prevalecente entre as igrejas apostólicas João teria morrido de morte puramente natural ou de velhice; com mais de 90 anos-  segundo S Epifânio - no nono ano de Trajano, isto é, cerca de 106 desta Era. Estava tão velho que era levado a congregação numa cadeira (Filipe de Side) e limitava-se a repetir dia após dias estas palavras: "Ame-mo-nos meus filhos porque o amor vem de Deus." 

O latino Tiago especifica que S João morreu com cerca de 99 anos, enquanto os Atos de S Prócoro sustentam que faleceu aos 100 anos de idade.

Justino, Irineu (Apud Eusébio) Clemente, Efraim e Jerônimo também apontam os primeiros anos de Trajano como assinalando a passagem do Apóstolo. O último por sinal declara: "Adormeceu ele 68 anos após a paixão do Senhor." o que aponta para os anos 100/102 i é cerca do terceiro ano de Trajano.

Temos então que faleceu entre 100 e 106 com cerca de 95 ou cem anos; e inferimos que deva ter nascido entre aos anos 1 a 10 desta Era sendo dez ou vinte anos mais novo que o Senhor e trinta ou quarenta anos mais novo que Tiago, o justo; o decano do colégio apostólico.

Segundo Hipolito de Tebas sua mãe Salomé era filha de S José e João seu neto; sobrinho de Tiago, o justo e do próprio Jesus.

O já citado Filipe de Side sustenta - em nome de S Crisóstomo (do qual fora Diácono) que João foi recolhido com mais de 120 anos sob Adriano; o que denota uma tentativa de aumentar a idade do apóstolo e obedece a um determinado propósito.

Segundo esta tradição após ter abandonado Jerusalém - onde ainda se encontrava cerca de 50 e talvez mesmo em 60 - João teria seguido para a Asia (Eusébio) ou seja para a Asia Menor ou a atual Turquia; estabelecendo-se entre Hierápolis, Esmirna, Laodicéia e Efeso; i é, Caria, Frígia e Lícia.

Onde teria vivido por quase meio século.

Que por lá tenha estado e vivido durante algum tempo e que seu túmulo estivesse localizado em Efeso parece absolutamente exato.

Cerca de 190, Polícrates de Efeso assim se expressava: "Entre outros luminares... João, aquele que descansou sobre o coração do Senhor,  padre adornado com a placa de prata, mártir e mestre repousa em Efeso." 

Ora Polícrates pertencia a uma dinastia de Bispos efesinos que remontava a no mínimo a primeira metade do século I.

As tais informes Jerônimo acrescenta o seguinte:

Após Domiciano ter mandado chamar a Roma os parentes de Jesus,  fez vir também, de Efeso, o discípulo amado. E como este não consentisse em abjurar determinou que fosse mergulhado numa tina de azeite fervente junto a porta latina. E tendo o apóstolo saído miraculosamente ileso...  mandou-o o imperador para a ilha de Patmos..." Isto no 'Comentário a S Mateus' 20,23

Em memória deste 'fato' os latinos inseriram no calendário deles a festividade de "S João na porta latina".

"Ora quando Nerva ascendeu ao trono e fez revogar todos os decretos de seu predecessor João pode regressar a Efeso onde veio a falecer com quase cem anos." nas 'Vidas dos homens ilustres'

Aqui a referência é Eusébio em nome de Irineu e Clemente.

Ali parece ter sido Tertuliano, o qual assim se expressa:

"O apóstolo João foi primeiramente mergulhado numa panela de óleo fervendo e depois enviado ao exílio." in 'Prescrição contra os heréticos' XXXVI

Quanto a 'fonte' de Tertuliano parecem ter sido os 'Atos de João' atribuídos por Gelase a um certo Leucius Carino, 'discípulo dos apóstolos'. A primeira parte, atualmente perdida, devia conter uma narrativa minuciosa a respeito do'martírio' joanico.

Todavia, como assinalam diversos padres, e o decreto atribuído a Gelase, os ditos atos de Leucius eram demasiado extravagantes para serem tomados por verídicos.

Uma vez que ele faz vir tudo que é apóstolo a Roma, para duelarem com Nero, Domiciano, Tibério ou mesmo Claudio...

Concluímos pois que a narrativa da 'porta latina', extraída de tais 'Atos' apócrifos, é no mínimo duvidosa; para não dizermos rocambolesca.

Também é estranho que Irineu, Clemente e o próprio Eusébio - bem mais críticos que Tertuliano - não a tenham mencionado. Mesmo Justino parece ignora-la.

Outra informação procedente de Irineu é que Policarpo e Papias teriam sido ouvintes de S João. Jerônimo adianta-se ainda mais e afirma ter sido Policarpo sagrado bispo de Esmirna pelo próprio apóstolo. Daí se cognominado 'anjo' ou vigilante da mesma igreja pelo autor do Apocalipse.

O próprio Papias nos fragmentos que restam de suas exegeses declara ter sido ouvinte do 'Presbítero João'... que uns identificam com S João, o apóstolo enquanto outros dizem tratar-se dum apóstolo homônimo.

No caso o apóstolo homônimo, radicado na Ásia, é que teria ultrapassado os noventa anos de idade, composto as duas pequenas Epístolas e o Apocalipse e, provavelmente, instruído Papias e Policarpo. O apóstolo, radicado igualmente na Ásia, teria sido martirizado cerca de 70/80 ou mesmo 85/90 por seus compatriotas judeus.

Há inclusive quem suponha - com base em alguns testemunhos - ter perecido ele na própria Judéia antes da destruição de Jerusalém e jamais passado a Ásia.

Acaso não fora forjada uma tradição a respeito da ida da Virgem a Éfeso? Quando sabemos que a mesma senhora jamais deixara Jerusalém... Que há pois de admirável quem que tradição análoga tenha sido forjada em torno da figura de S João???

Nós o entanto não aventuramos negar que S João tenha passado a Ásia; vivido ali por algum tempo, ali falecido e sepultado em Éfeso.

Quanto a duração de sua vida e gênero de morte no entanto; as tradições mais antigas parecem apontar para uma data mais precoce e para uma supressão brusca...

Assim os hinos maniqueístas cujas fontes deitam suas raízes na tradição siríaca; além de antigos martirológios (como o siríaco) e; especialmente, o testemunho do próprio Papias (O qual refere ter sido S João, a semelhança de S Tiago, supliciado pelos judeus.)

No entanto algumas fontes parecem indicar que o apóstolo teria sido Martirizado em Hierápolis, Esmirna ou Éfeso e não em Jerusalém... E algum tempo depois - e não antes - da destruição da metrópole judaica por Tito.

Neste caso resta conjecturar que João não foi morto pelas mãos da comunidade Judaica; mas, muito provavelmente, denunciado por ela as autoridades romanas. Quiçá entre 80/90 sob Domiciano, personagem a que sua 'legenda' esta ligada...

Teria sido João, entrado já em anos, mandado supliciar por Domiciano logo após a publicação da primeira edição de suas memórias; que pouco tempo depois seriam reeditadas por sua congregação sob a forma do nosso quarto Evangelho??? Parece-nos plausível.

Mas também é possível que tenha morrido na década anterior, após ter conflitado com a congregação judaica local e se envolvido em algum tipo de tumulto religioso.

Como aludimos acima, admitindo que nossa versão do quarto Evangelho remonte a 90 ou mesmo ao final dos anos 80 do primeiro século; podemos admitir igualmente que os escritos ou memórias do apóstolo tenham sido compostos entre 75 ou mesmo 70 e 85. E recebido sua forma definitiva na década de 90 ou mesmo no final da década de 80.

Uma morte tanto mais precoce do apóstolo em nada atinge a composição do Evangelho ou mesmo da primeira Epístola; a qual segundo parece teria sido composta para servir-lhe de prefácio.

Atinge no entanto o livro do Apocalipse; cuja redação só pode ter sido feita nos derradeiros anos de Domiciano; como admitia sem maiores problemas a Igreja antiga. No entanto se João veio a óbito entre 70/80 ou mesmo entre 80/90 não poderia ter estado na Ilha de Patmos entre os anos 91/97.

Eis porque Carino Leucius ou quem se passava por ele; aludiu ao suposto milagre da tina de óleo adicionando ao apóstolo mais dez, vinte, trinta ou cinquenta anos de vida; de modo a que pudesse passar por autor do Apocalipse e das epístolas menores. E para afastar das mentes qualquer suspeita de que o quarto Evangelho tenha sido, reeditado, reorganizado ou mesmo completado... o que alias é de todo inútil tendo em vista a redação dos capítulos finais.

Para que a atual versão de nosso Evangelho, o Apocalipse e as duas epístolas menores pudessem ser atribuídos as mãos do apóstolo foi necessário atribuir-lhe uma sobrevida miraculosa; quando de fato havia morrido (em Hierápolis ou Laodiceia) e sido sepultado pelos presbíteros em Éfeso.

Neste caso quem teria escrito o Apocalipse e as duas epístolas menores???

A respeito do Apocalipse discutiremos no momento oportuno. Julgamos no entanto - fundamentados nos mesmos motivos elencados há 1800 anos por Dionísio de Alexandria - que tenha sido escrito por uma personagem homônima porém perfeitamente distinta do apóstolo; um discípulo, descrito por Papias como 'o presbítero'; o qual também teria redigido - muito provavelmente - as duas epístolas menores.

Quanto a Policarpo, caso fixemos a morte de S João em 80 e a do Bispo de Esmirna em 156 sob Estácio Quadrato; após 86 anos de 'serviços' prestados a Igreja e cem anos de vida; somos levados a concluir que foi batizado cerca do ano 69 ou 70 e portanto que pode ter convivido com o apóstolo de um a quase vinte anos.

O mesmo se pode dizer de Papias, cujas 'Exegeses' parecem ter sido escritas entre 120/130. Irineu refere-se a ele como a um 'Homem antigo' e 'Companheiro de Policarpo'. Então é possível que tenha convivido algum tempo com S João e sido ouvinte do 'presbítero' João, como de Justo Barsabas e das filhas do diácono Filipe.

Não descartamos a possibilidade de que o apóstolo João tenha de fato composto - talvez em aramaico até - as suas memórias (que constituem o núcleo do quarto Evangelho) e tampouco que tenha instruído a Policarpo, Papias e outros elderes antigos. Antes de ter sido martirizado por instigação dos judeus - em algum momento entre 70 e 90 - e sepultado em Éfeso.

Quanto a ter escapado a tina de óleo fervendo, vivido mais quinze ou trinta anos e morrido em seu leito; isto sim parece-nos fruto da imaginação de Carino Leucius, reproduzida acriticamente por Tertuliano e adotada pela maior parte da Cristandade atual tendo em vista justificar a teoria apostólica do Apocalipse e sua introdução no Canon co NT.

Aqui pezaram mais os motivos apologéticos relacionados com o Canon do que a tradição da antiga Igreja atestada pelos mais vetustos martirológios e primitivos padres, como Papias e Dionísio de Alexandria. 

Quanto ao gênero de morte sofrido pelo discípulo amado referem alguns martirológios ter sido decapitado; é possível no entanto que tenha morrido ao ser lançado a uma tina de óleo fervendo, uma vez que as lendas, quase sempre, tomam por base uma narrativa verdadeira. Também é possível que tendo escapado miraculosa ou naturalmente ao óleo fervendo tenha sido mandado decapitar.

Seja como for nós não possuímos um relato minucioso a respeito de sua morte; não porque não tenha sido martirizado, mas porque tais registros devem ter sido destruídos subsequentemente por aqueles que desejavam prolongar sua existência terrena até Trajano ou Adriano.




















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