Policarpo é nome de origem grega que significa 'muitos frutos'.
Segundo
Irineu, na carta a Florino, citada por Eusébio, ele - Irineu - jamais
havia esquecido as narrativas a respeito de como Policarpo se assentara
aos pés de João, o teólogo e fora nomeado pelos apóstolos Bispo de
Esmirna ( Tertuliano Praescr XXXII assevera ter sido ele sagrado por S
João) Sendo portanto o 'anjo' daquela Igreja, citado no livro da
Revelação, muito provavelmente composto por este João, não o apóstolo,
mas o ancião, ou presbítero. Teria portanto sido companheiro de
Pápias...
Já no livro 'Contra as heresias' assim se
expressa Irineu: "Posso recordar eu, Policarpo, o qual foi ouvinte dos
apóstolos e conviveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o
Senhor, o qual foi estabelecido Bispo da Ásia, na Igreja de Esmirna,
pelos próprios apóstolos. Nos o conhecemos em nossa infância porque teve
uma vida longa e era já muito idoso quando obteve a palma do martírio.
Ora ele sempre ensinou o que aprendido tinha com os apóstolos." Adv
Haeres III 02-04. Considerando que este Irineu faleceu cerca de 200/210,
deve ter convivido com Policarpo entre 140/150.
Já pelos idos de 107 Inácio, outro ouvinte dos apóstolos, enviara-lhe uma elogiosa carta de despedida.
Sabemos
ainda, diretamente por Irineu e Indiretamente por Hegesipo, que
Policarpo veio a Roma pelos idos de 155, apaziguar os ânimos, devido a
questão da data da Páscoa, que os asiáticos, com Polícrates, oficiavam
ao 14 de Nisan, fosse qual fosse o dia da semana. E que sendo recebido
pelo primaz Aniceto. Consta que nenhuma das partes cedeu em seu costume,
mas que por deferência Aniceto entregou a presidência da Eucaristia ao
'Doutor da Ásia e Pai dos Cristãos'. É o que conta Eusébio na História.
Consta
ter perecido pelo fogo, no estádio de Esmirna, em meados de 156, com
pouco mais de cem anos - Admitido que servia a Cristo por 86 anos e se
convertera aos 15 ou 16. Tendo nascido em 56 bem pode ter conhecido o
apóstolo João - falecido pouco depois de 70 ou entre 70 e 80 - e certo
número de discípulos do Senhor, como o já citado João, o antigo,
provável autor do livro da Revelação.
Segundo Irineu
Policarpo havia escrito certo número de cartas a diversas congregações e
líderes, mas apenas uma chegou até nós, a que fora dirigida aos
Filipenses. Segundo P N Harrison temos na verdade duas cartas fundidas
numa só. (Primeira carta = Últimos caps e segunda carta = Cap Doze
primeiros caps mas pode ser até IX 02 esta última suposição é minha!)
Assim,
no que tange a carta maior (aos nove ou doze primeiros caps) a datação
corresponderia ao ano 130, o que é absolutamente plausível.
Segue a resenha doutrinal do documento -
A Encarnação do Senhor: "Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne é o anti Cristo." VII,01
O pecado - "Somos todos devedores do pecado." VI,02
A graça - "Sabeis já que pela graça justificados fostes, não por obras, mas pela graça de Deus comunicada por Jesus Cristo." III
Necessidade do Cristão fazer boas obras - "Caso nossa conduta seja digna dele, com ele reinaremos por mercê da fé." V,02 "Até
pelos pagãos deveis ser aplaudidos por vossa conduta irrepreensível e
obras santas, para que o nome do Senhor não fique exposto a zombarias." XI,02
A esmola - "Quando façais o bem não o deixeis para depois uma vez que: 'A esmola preserva da morte'" XI,01
Acesso a perfeição ou impecabilidade - "Aquele que tem o amor dentro de si está distante do pecado." III,03
A vivificante cruz - "Quem não aceita o testemunho da cruz é do maligno." VII,01
Ortodoxia - " Guardando a fé imutável." XI,01
Imortalidade
consciente - "E o beato Paulo, pois nenhum deles correu em vão, mas
conduzidos pela fé e pela justiça tomaram posse do lugar que lhes estava
reservado junto do Senhor porque padeceram." IX,01
Ressurreição da carne - "O que afirma que os mortos não ressuscitam esse é o primogênito do maligno." VII,01
Imitar Jesus - "Fiquei feliz por vós, porque recebestes os imitadores do Amor verdadeiro." I,01
Amor
ao próximo - "Ela, a fé, é a mãe de todos nós, seguida pela esperança e
precedida pelo amor a Deus, a Jesus Cristo e ao próximo." III,03
Avareza - "É a avareza um tipo de idolatria." XI,01
Evitar o pecado - "Vos exorto para que eviteis a avareza... e vos guardeis de todo mal." XI,01
Da Carta sobre o martírio de Policarpo, enviada pela Igreja de Esmirna a Igreja de Filomélio em 156:
Trindade
excelsa - "Pelo eterno e celestial sacerdote Jesus Cristo, teu amado
Filho, pelo qual glória seja dada a ti, com ele e o Espírito Santo,
agora, sempre e pelos séculos dos séculos, amém." XIV,03Igreja Católica - "Ele lembrou-se da S Igreja Católica espalhada por toda terra." VIII,01
Imortalidade consciente - "Com eles (os mártires) possa eu ser admitido HOJE na tua presença, como um sacrifício deleitoso." XIV,02
Reverência aos Santos - "Mesmo durante o tempo de sua vida era já reverenciado devido a santidade de sua vida." XIII,02
As
relíquias dos Santos - "Mais tarde pudemos nós recolher seus ossos,
mais preciosos do que pedrarias e mais valiosos do que ouro, para
coloca-los em conveniente lugar e quando possível ali nos reunir
jubilosos para comemorar a data de seu martírio." XVIII,02
Adoração dominical - "Era o dia do Sábado maior." VIII,01
II - S Pápias de Hierapolis
Segundo G Bardy é S Pápias 'Uma
das figuras mais misteriosas da antiguidade Cristã... e as poucas
notícias que temos sobre ele, tem dado lugar, por parte dos
pesquisadores, a intermináveis controvérsias.' in D T C XI sec part,
1944/47.
A respeito dele testifica Irineu ter sido ouvinte de S João e amigo de Policarpo Adv Haeres V,33,04. Eusébio,
corrigindo, declara que fora discípulo, não do Apóstolo João, mas de
João, o antigo ou ancião, ou ainda Presbítero. Floresceu entre 70 e 140 e
é dado por mártir.
Interessante, misterioso e controverso é
Pápias avaliado por Eusébio como sendo uma mentalidade medíocre, talvez
porque ouvinte, não ao apóstolo, mas de um discípulo chamado João, muito
provavelmente autor do livro da Revelação, admirador da literatura
apocalíptica judaica, assim judaizante. Teria este discípulo longevo do
Senhor, amiúde confundido com o apóstolo homônimo, se instalado - tal e
qual o apóstolo - na Ásia menor e conquistado um bom número de adeptos.
Como derradeiro ouvinte do Mestre deve ter atraído a sua localidade
certo número de peregrinos e idoso pode ter confundido as coisas e
atribuído ao Senhor o quanto lerá nos tais apocalipses dando origem a
corrente milenarista ou quiliasta, de que Pápias se fez porta voz e que
tanto exasperou os padres gregos...
Penso num ancião esclerosado,
que ao fim da vida, agregando resíduos judaicos a fé - como apostasia,
milênio, conflagração universal, anti Cristo, Besta, demonismo, inferno,
etc - prestou um imenso deserviço a igreja, obscurecendo a simplicidade
da autêntica escatologia Cristã e lançando as sementes de futuras
dissenções intermináveis, e o fim de tudo isto é uma seita chamada
'apocalíptica' presente em todos os setores da Cristandade,
particularmente nas seitas bíblicas ou carismáticas onde a leitura do
livro da Revelação ultrapassou a leitura dos Santos e divinos
Evangelhos. Tudo isto é a um tempo trágico e patético...
Bem
Pápias pertence a esta corrente, assim Irineu, Tertuliano e os elderes
que o seguiram devido a antiguidade de seu testemunho, adiciona Eusébio.
Podemos dizer assim que Pápias fez, e faz escola e compreender ao mesmo
tempo a exasperação de Eusébio.
Como não sabia discernir muito
bem entre as fontes autenticamente Cristãs e as fontes hebraicas e fosse
filho da cultura, inserido numa cultura de oralidade, compilou ele uma
espécie de 'Puranas' do Cristianismo nascente, adicionando narrativas
apócrifas já escritas, visões, etc inclinando-se para o miraculoso até o
fantástico. Tinha porém boa vontade, pelo que convém ouvi-lo:
"Para
ti não hesitarei, adicionar as minhas explicações, o que outrora ouvi
eu dos antigos, e cuja lembrança bem guardei, estando seguro de sua
veracidade. De fato eu não me comprazia, como a maioria das pessoas, no
muito dizer, porém buscava a verdade, não me satisfazia com boatos, mas
com aqueles que narravam os mandamentos do Senhor, frutos da verdade. E
se sucedia, conhecer eu algum dos que tinham ouvido os antigos, eu me
informava a respeito do quanto haviam dito eles, o que havia anunciado
André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou qualquer outro dos
discípulos do Senhor, assim Aristion e João, o antigo, discípulos do
Senhor. Eu não julgava que as coisas conhecidas através do relato
escrito, não fossem tão úteis quanto as que ouvimos, por meio da palavra
viva e permanente." Eusébio H E III, 39, 1-4Caso prestemos
máxima atenção a estas palavras constataremos que há nelas certo vigor e
solenidade. Pápias era apenas crente, não tolo e se foi enganado,
enganado foi pelo velho presbítero judaizante. Ousarei dizer que apesar
de sua crença tosca no milenarismo, era este Pápias homem genial por
ocorrer-lhe por a tradição oral no acesso de todos, dando-lhe forma
escrita, o que a seu tempo deveria ser um tabu! O fruto de suas
pesquisas foi uma obra composta de cinco tomos intitulada 'Exegese ou
explicação das palavras do Senhor', pelo fato de acompanhar Mateus e
Marcos quanto a opção preferencial por Logias, assim o dito Evangelho de
Tomé que temos por apócrifo.
Salvo falta de memória minha foi
Pápias repetidamente citado por diversos autores, assim Cláudio
Apolinário, Ecumênio, Victor de Cápua, André de Cesaréria e aproveitado
por outros tantos - inclusive por Eusébio - até o século XVI, quando
cessando de ser copiada, provavelmente devido aos defeitos citados por
Eusébio, desapareceu, e com grave dano para a consciência Cristã.
Não vou reproduzir aqui o testemunho favorável a crença
milenarista, pois ainda que não constitua uma Heresia, choca-se com a
piedade. O milênio consiste numa intuição a respeito do futuro ou da Era
Cristã, mal compreendida ou assimilada pelos hebreus. A Igreja, Reino
de Cristo ou cidade de Deus é que concretizará esta era ou período no
mundo presente na medida em que nele encarnar-se inspirando uma vida -
alias social e política - pautada na Lei de Jesus Cristo ou no
Evangelho. Este triunfo, ao menos ético, senão credal, da Instituição
Cristã é que corresponde ao milênio, correspondendo os mil anos a uma
cifra simbólica que não deve ser matematicamente considerada i é ao pé
da letra. Será o derradeiro estádio da História humana, iluminado pela
graça de Cristo.
Portanto não devemos esperar nenhum tipo de
cataclismo, de evento cósmico ou de mudança radical, mas a expansão
paulatina de Pentecostes ou do cenáculo por meio dos Santos Sacramentos
fixados por Jesus Cristo.
Tampouco mencionarei ipsa verba os
estranhos relatos sobre a morte de Judas, o traidor. Tomou ainda alguns
relatos as filhas de Filipe, virgens e profetizas que se haviam
instalado em Hierapolis e ali morrido. Segundo tais relatos, Justo
Bársabas, teria ingerido veneno mortal e permanecido incólume por antes
ter invocado o nome do Senhor. Também a mãe de Manaim teria sido trazida
novamente a vida.
Importa conhecer o que ele disse sobre a Escritura canônica, particularmente a respeito de nossos Evangelhos.
A respeito de S Mateus, registrou:
"Ele reuniu ordenadamente, na lingua hebraica, as palavras de Jesus e cada qual interpretou-as conforme sua capacidade." apud Eusébio H EPor
hebraico devemos compreender o aramaico, assim o original de S Mateus. A
expressão 'logoi' ou palavras parece excluir a parte narrativa deste
Evangelho, que muitos, como Jerônimo de Stridon, julgam derivar do
Evangelho dos Hebreus. Interpretar aqui, suporta traduzir, indicando que
já circulavam versões gregas deste Evangelho.
Já sobre Marcos, declara:
"Marcos,
tendo sido amanuense de S Pedro escreveu fiel, porém desordenadamente,
tudo quanto recordava das palavras e ações do Senhor. Ele não tinha
ouvido o Senhor nem o seguido, mas tomou as lições de Pedro, o qual
costumava relata-las conforme a necessidade, não segundo a ordem exata.
Assim Marcos não se equivocou, mas registrou segundo havia ouvido e
recordava, e sua preocupação era apenas uma - Não omitir nada nem
inventar coisa alguma." Junta
Eusébio que ele também se referiu a Primeira Carta de S João e a uma
das Cartas de Pedro e que conhecia a narrativa da Pecadora perdoada
(João VIII), cuja fonte seria o Evangelho dos Hebreus.
Resta
explicar porque ele não testemunhou a respeito do quarto Evangelho. Uma
vez que parte dos racionalistas como Baur, foram levados a situa-lo na
segunda metade do século II, justamente, devido a esta omissão. Uma vez
que alguns insistiam indevidamente que S João e João, o antigo eram a
mesma pessoa. A prova de que não eram é que Pápias - apud Irineu -
conheceu o livro da Revelação. Agora a respeito de que tenha conhecido o
Evangelho de João, não temos evidência alguma. Como podia ter
conhecimento de uma obra e não da outra, dado que tenham saído da mesma
pena? A hipótese mais plausível, como já dissemos, é que ele não
conheceu o Apóstolo autor do núcleo daquele Evangelho - morto entre 70 e
80 - mas um discípulo de nome João, autor do Apocalipse. O que confirma
do mesmo modo a Tradição, segundo a qual a I Carta de S João, fora
escrita antes do quarto Evangelho e para servir-lhe de prólogo, o que
explica que sua circulação fosse anterior e mais ampla já que a redação
definitiva do quarto Evangelho foi elaborada pela comunidade joanina
cerca do ano 90 desta Era.
Aos
que quiserem saber mais sobre esta grande controvérsia, em torno da
autoria e valor do Livro da Revelação, recomendamos nossa obra - "Foi o
livro da Revelação escrito por S João, o apóstolo?"
Eis tudo quanto temos a dizer sobre Pápias de Hierapólis e sua obra.
terça-feira, 6 de novembro de 2018
CX - S Policarpo de Esmirna e S Pápias de Hierapolis
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