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A consciência histórica do Cristianismo

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terça-feira, 6 de novembro de 2018

CX - S Policarpo de Esmirna e S Pápias de Hierapolis

Policarpo é nome de origem grega que significa 'muitos frutos'.

Segundo Irineu, na carta a Florino, citada por Eusébio, ele - Irineu - jamais havia esquecido as narrativas a respeito de como Policarpo se assentara aos pés de João, o teólogo e fora nomeado pelos apóstolos Bispo de Esmirna ( Tertuliano Praescr XXXII assevera ter sido ele sagrado por S João) Sendo portanto o 'anjo' daquela Igreja, citado no livro da Revelação, muito provavelmente composto por este João, não o apóstolo, mas o ancião, ou presbítero. Teria portanto sido companheiro de Pápias...

Já no livro 'Contra as heresias' assim se expressa Irineu: "Posso recordar eu, Policarpo, o qual foi ouvinte dos apóstolos e conviveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o Senhor, o qual foi estabelecido Bispo da Ásia, na Igreja de Esmirna, pelos próprios apóstolos. Nos o conhecemos em nossa infância porque teve uma vida longa e era já muito idoso quando obteve a palma do martírio. Ora ele sempre ensinou o que aprendido tinha com os apóstolos." Adv Haeres III 02-04. Considerando que este Irineu faleceu cerca de 200/210, deve ter convivido com Policarpo entre 140/150.

Já pelos idos de 107 Inácio, outro ouvinte dos apóstolos, enviara-lhe uma elogiosa carta de despedida.

Sabemos ainda, diretamente por Irineu e Indiretamente por Hegesipo, que Policarpo veio a Roma pelos idos de 155, apaziguar os ânimos, devido a questão da data da Páscoa, que os asiáticos, com Polícrates, oficiavam ao 14 de Nisan, fosse qual fosse o dia da semana. E que sendo recebido pelo primaz Aniceto. Consta que nenhuma das partes cedeu em seu costume, mas que por deferência Aniceto entregou a presidência da Eucaristia ao 'Doutor da Ásia e Pai dos Cristãos'. É o que conta Eusébio na História.

Consta ter perecido pelo fogo, no estádio de Esmirna, em meados de 156, com pouco mais de cem anos - Admitido que servia a Cristo por 86 anos e se convertera aos 15 ou 16. Tendo nascido em 56 bem pode ter conhecido o apóstolo João - falecido pouco depois de 70 ou entre 70 e 80 - e certo número de discípulos do Senhor, como o já citado João, o antigo, provável autor do livro da Revelação.

Segundo Irineu Policarpo havia escrito certo número de cartas a diversas congregações e líderes, mas apenas uma chegou até nós, a que fora dirigida aos Filipenses. Segundo P N Harrison temos na verdade duas cartas fundidas numa só. (Primeira carta = Últimos caps e segunda carta = Cap Doze primeiros caps mas pode ser até IX 02 esta última suposição é minha!)

Assim, no que tange a carta maior (aos nove ou doze primeiros caps) a datação corresponderia ao ano 130, o que é absolutamente plausível.

Segue a resenha doutrinal do documento -

A Encarnação do Senhor: "Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne é o anti Cristo." VII,01
O pecado - "Somos todos devedores do pecado."  VI,02
A graça - "Sabeis já que pela graça justificados fostes, não por obras, mas pela graça de Deus comunicada por Jesus Cristo." III
Necessidade do Cristão fazer boas obras - "Caso nossa conduta seja digna dele, com ele reinaremos por mercê da fé." V,02 "Até pelos pagãos deveis ser aplaudidos por vossa conduta irrepreensível e obras santas, para que o nome do Senhor não fique exposto a zombarias." XI,02
A esmola - "Quando façais o bem não o deixeis para depois uma vez que: 'A esmola preserva da morte'" XI,01
Acesso a perfeição ou impecabilidade - "Aquele que tem o amor dentro de si está distante do pecado." III,03
A vivificante cruz - "Quem não aceita o testemunho da cruz é do maligno." VII,01
Ortodoxia - " Guardando a fé imutável."
XI,01

Imortalidade consciente - "E o beato Paulo, pois nenhum deles correu em vão, mas conduzidos pela fé e pela justiça tomaram posse do lugar que lhes estava reservado junto do Senhor porque padeceram." IX,01
Ressurreição da carne - "O que afirma que os mortos não ressuscitam esse é o primogênito do maligno." VII,01

Imitar Jesus - "Fiquei feliz por vós, porque recebestes os imitadores do Amor verdadeiro." I,01
Amor ao próximo - "Ela, a fé, é a mãe de todos nós, seguida pela esperança e precedida pelo amor a Deus, a Jesus Cristo e ao próximo." III,03
Avareza - "É a avareza um tipo de idolatria."
XI,01
Evitar o pecado - "Vos exorto para que eviteis a avareza... e vos guardeis de todo mal."
XI,01





Da Carta sobre o martírio de Policarpo, enviada pela Igreja de Esmirna a Igreja de Filomélio em 156:


Trindade excelsa - "Pelo eterno e celestial sacerdote Jesus Cristo, teu amado Filho, pelo qual glória seja dada a ti, com ele e o Espírito Santo, agora, sempre e pelos séculos dos séculos, amém."
XIV,03Igreja Católica - "Ele lembrou-se da S Igreja Católica espalhada por toda terra." VIII,01
Imortalidade consciente - "Com eles
(os mártires) possa eu ser admitido HOJE na tua presença, como um sacrifício deleitoso." XIV,02
Reverência aos Santos - "Mesmo durante o tempo de sua vida era já reverenciado devido a santidade de sua vida." XIII,02
As relíquias dos Santos - "Mais tarde pudemos nós recolher seus ossos, mais preciosos do que pedrarias e mais valiosos do que ouro, para coloca-los em conveniente lugar e quando possível ali nos reunir jubilosos para comemorar a data de seu martírio."
XVIII,02
Adoração dominical - "Era o dia do Sábado maior."
VIII,01


 

II - S Pápias de Hierapolis


Segundo G Bardy é S Pápias 'Uma das figuras mais misteriosas da antiguidade Cristã... e as poucas notícias que temos sobre ele, tem dado lugar, por parte dos pesquisadores, a intermináveis controvérsias.' in D T C XI sec part, 1944/47.


A respeito dele testifica Irineu ter sido ouvinte de S João e amigo de Policarpo Adv Haeres V,33,04. Eusébio, corrigindo, declara que fora discípulo, não do Apóstolo João, mas de João, o antigo ou ancião, ou ainda Presbítero. Floresceu entre 70 e 140 e é dado por mártir.

Interessante, misterioso e controverso é Pápias avaliado por Eusébio como sendo uma mentalidade medíocre, talvez porque ouvinte, não ao apóstolo, mas de um discípulo chamado João, muito provavelmente autor do livro da Revelação, admirador da literatura apocalíptica judaica, assim judaizante. Teria este discípulo longevo do Senhor, amiúde confundido com o apóstolo homônimo, se instalado - tal e qual o apóstolo - na Ásia menor e conquistado um bom número de adeptos. Como derradeiro ouvinte do Mestre deve ter atraído a sua localidade certo número de peregrinos e idoso pode ter confundido as coisas e atribuído ao Senhor o quanto lerá nos tais apocalipses dando origem a corrente milenarista ou quiliasta, de que Pápias se fez porta voz e que tanto exasperou os padres gregos...

Penso num ancião esclerosado, que ao fim da vida, agregando resíduos judaicos a fé - como apostasia, milênio, conflagração universal, anti Cristo, Besta, demonismo, inferno, etc - prestou um imenso deserviço a igreja, obscurecendo a simplicidade da autêntica escatologia Cristã e lançando as sementes de futuras dissenções intermináveis, e o fim de tudo isto é uma seita chamada 'apocalíptica' presente em todos os setores da Cristandade, particularmente nas seitas bíblicas ou carismáticas onde a leitura do livro da Revelação ultrapassou a leitura dos Santos e divinos Evangelhos. Tudo isto é a um tempo trágico e patético...

Bem Pápias pertence a esta corrente, assim Irineu, Tertuliano e os elderes que o seguiram devido a antiguidade de seu testemunho, adiciona Eusébio. Podemos dizer assim que Pápias fez, e faz escola e compreender ao mesmo tempo a exasperação de Eusébio.

Como não sabia discernir muito bem entre as fontes autenticamente Cristãs e as fontes hebraicas e fosse filho da cultura, inserido numa cultura de oralidade, compilou ele uma espécie de 'Puranas' do Cristianismo nascente, adicionando narrativas apócrifas já escritas, visões, etc inclinando-se para o miraculoso até o fantástico. Tinha porém boa vontade, pelo que convém ouvi-lo:

"Para ti não hesitarei, adicionar as minhas explicações, o que outrora ouvi eu dos antigos, e cuja lembrança bem guardei, estando seguro de sua veracidade. De fato eu não me comprazia, como a maioria das pessoas, no muito dizer, porém buscava a verdade, não me satisfazia com boatos, mas com aqueles que narravam os mandamentos do Senhor, frutos da verdade. E se sucedia, conhecer eu algum dos que tinham ouvido os antigos, eu me informava a respeito do quanto haviam dito eles, o que havia anunciado André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou qualquer outro dos discípulos do Senhor, assim Aristion e João, o antigo, discípulos do Senhor. Eu não julgava que as coisas conhecidas através do relato escrito, não fossem tão úteis quanto as que ouvimos, por meio da palavra viva e permanente." Eusébio H E III, 39, 1-4Caso prestemos máxima atenção a estas palavras constataremos que há nelas certo vigor e solenidade. Pápias era apenas crente, não tolo e se foi enganado, enganado foi pelo velho presbítero judaizante. Ousarei dizer que apesar de sua crença tosca no milenarismo, era este Pápias homem genial por ocorrer-lhe por a tradição oral no acesso de todos, dando-lhe forma escrita, o que a seu tempo deveria ser um tabu! O fruto de suas pesquisas foi uma obra composta de cinco tomos intitulada 'Exegese ou explicação das palavras do Senhor', pelo fato de acompanhar Mateus e Marcos quanto a opção preferencial por Logias, assim o dito Evangelho de Tomé que temos por apócrifo.

Salvo falta de memória minha foi Pápias repetidamente citado por diversos autores, assim Cláudio Apolinário, Ecumênio, Victor de Cápua, André de Cesaréria e aproveitado por outros tantos - inclusive por Eusébio - até o século XVI, quando cessando de ser copiada, provavelmente devido aos defeitos citados por Eusébio, desapareceu, e com grave dano para a consciência Cristã.

Não vou reproduzir aqui o testemunho favorável a crença
milenarista, pois ainda que não constitua uma Heresia, choca-se com a piedade. O milênio consiste numa intuição a respeito do futuro ou da Era Cristã, mal compreendida ou assimilada pelos hebreus. A Igreja, Reino de Cristo ou cidade de Deus é que concretizará esta era ou período no mundo presente na medida em que nele encarnar-se inspirando uma vida - alias social e política - pautada na Lei de Jesus Cristo ou no Evangelho. Este triunfo, ao menos ético, senão credal, da Instituição Cristã é que corresponde ao milênio, correspondendo os mil anos a uma cifra simbólica que não deve ser matematicamente considerada i é ao pé da letra. Será o derradeiro estádio da História humana, iluminado pela graça de Cristo.

Portanto não devemos esperar nenhum tipo de cataclismo, de evento cósmico ou de mudança radical, mas a expansão paulatina de Pentecostes ou do cenáculo por meio dos Santos Sacramentos fixados por Jesus Cristo.

Tampouco mencionarei ipsa verba os estranhos relatos sobre a morte de Judas, o traidor. Tomou ainda alguns relatos as filhas de Filipe, virgens e profetizas que se haviam instalado em Hierapolis e ali morrido. Segundo tais relatos, Justo Bársabas, teria ingerido veneno mortal e permanecido incólume por antes ter invocado o nome do Senhor. Também a mãe de Manaim teria sido trazida novamente a vida.

Importa conhecer o que ele disse sobre a Escritura canônica, particularmente a respeito de nossos Evangelhos.

A respeito de S Mateus, registrou:

"Ele reuniu ordenadamente, na lingua hebraica, as palavras de Jesus e cada qual interpretou-as conforme sua capacidade." apud Eusébio H EPor hebraico devemos compreender o aramaico, assim o original de S Mateus. A expressão 'logoi' ou palavras parece excluir a parte narrativa deste Evangelho, que muitos, como Jerônimo de Stridon, julgam derivar do Evangelho dos Hebreus. Interpretar aqui, suporta traduzir, indicando que já circulavam versões gregas deste Evangelho.

Já sobre Marcos, declara:

"Marcos, tendo sido amanuense de S Pedro escreveu fiel, porém desordenadamente, tudo quanto recordava das palavras e ações do Senhor. Ele não tinha ouvido o Senhor nem o seguido, mas tomou as lições de Pedro, o qual costumava relata-las conforme a necessidade, não segundo a ordem exata. Assim Marcos não se equivocou, mas registrou segundo havia ouvido e recordava, e sua preocupação era apenas uma - Não omitir nada nem inventar coisa alguma." Junta Eusébio que ele também se referiu a Primeira Carta de S João e a uma das Cartas de Pedro e que conhecia a narrativa da Pecadora perdoada (João VIII), cuja fonte seria o Evangelho dos Hebreus.


Resta explicar porque ele não testemunhou a respeito do quarto Evangelho. Uma vez que parte dos racionalistas como Baur, foram levados a situa-lo na segunda metade do século II, justamente, devido a esta omissão. Uma vez que alguns insistiam indevidamente que S João e João, o antigo eram a mesma pessoa. A prova de que não eram é que Pápias - apud Irineu - conheceu o livro da Revelação. Agora a respeito de que tenha conhecido o Evangelho de João, não temos evidência alguma. Como podia ter conhecimento de uma obra e não da outra, dado que tenham saído da mesma pena? A hipótese mais plausível, como já dissemos, é que ele não conheceu o Apóstolo autor do núcleo daquele Evangelho - morto entre 70 e 80 - mas um discípulo de nome João, autor do Apocalipse. O que confirma do mesmo modo a Tradição, segundo a qual a I Carta de S João, fora escrita antes do quarto Evangelho e para servir-lhe de prólogo, o que explica que sua circulação fosse anterior e mais ampla já que a redação definitiva do quarto Evangelho foi elaborada pela comunidade joanina cerca do ano 90 desta Era.

Aos que quiserem saber mais sobre esta grande controvérsia, em torno da autoria e valor do Livro da Revelação, recomendamos nossa obra - "Foi o livro da Revelação escrito por S João, o apóstolo?"

Eis tudo quanto temos a dizer sobre Pápias de Hierapólis e sua obra.

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